O látex de borracha natural é o exsudato citoplasmático extraído pelo sangramento da árvore tropical Hevea brasiliensis. É um extrato viscoso, com aspecto leitoso, produzido no citoplasma de células laticíferas ou produtoras de látex, juntamente com aminoácidos, lipídios, fosfolipídios, carboidratos e proteínas (2% a 3%) (HAMANN & KICK, 1993; REIS, 1994; SRI-AKAJUNT et al., 2000). A fórmula estrutural da borracha natural de látex, cuja unidade funcional essencial é formada por polímeros de cis -1,4- poliisopreno, é coberta por camada de proteínas lipídicas e fosfolipídicas que garantem sua integridade estrutural (YUNGINGER, 1998; SRI-AKAJUNT et al., 2000). Estas proteínas contidas na sua composição são os antígenos considerados responsáveis pela reação ao látex (HAMANN & KICK, 1993), sendo que aproximadamente 60% delas estão ligadas intimamente à borracha, isto é, com os polímeros de isopreno e, 40% como proteínas solúveis, presentes no soro do látex (HAMANN & KICK, 1993; YUNGINGER, 1998).
Em 1987, devido ao surgimento da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), o Centers for Disease Control and Prevention (CDC) introduziu as “Precauções Universais”, atualmente denominadas “Precauções-Padrão”, enfatizando a necessidade de todos os trabalhadores da saúde rotineiramente usarem luvas ao entrar em contato com fluídos corporais. Devido a esta recomendação, o uso de luvas de látex aumentou no mundo todo e, como conseqüência deste novo comportamento, passou-se a observar o aumento de relatos de casos de alergia ocupacional ao látex entre os trabalhadores hospitalares. Nessa década, para abastecer o aumento da demanda no mercado mundial, muitos fabricantes mudaram seu processo de fabricação, abreviando ou suprimindo etapas importantes de remoção de proteínas e resíduos químicos, resultando em produtos de baixa qualidade e com altas concentrações de alérgenos (SUSSMAN & BEEZHOLD, 1995; WOODS et al., 1997; WARSHAW, 1998). YAGAMI et al. (1998), sugerem que em decorrência do aumento da extração do látex da Hevea brasiliensis para suprir o aumento mundial do consumo de luvas e preservativos, a planta passou a aumentar a produção das proteínas de defesa pelo aumento da freqüência e intensidade dos cortes sofridos para a extração da seiva.
As luvas e os preservativos de borracha são exemplos de produtos fabricados a partir da imersão de formas ou moldes em extrato de látex de borracha natural.
O processo de manufatura das luvas com ou sem pó inicia-se com a extração da seiva do tronco da árvore Hevea brasiliensis e, logo após, adiciona-se amônia, tiuram ou sulfitos para prevenir a contaminação bacteriana e autocoagulação do extrato, bem como separar a fase líquida da sólida por centrifugação, concentrando a parte sólida em até 60% e removendo o soro que contém proteínas hidrossolúveis. Outros aditivos químicos como aceleradores (tiuram e carbamatos) e antioxidantes (fenilenediamina) são adicionados posteriormente à parte concentrada, contribuindo para a obtenção das propriedades desejadas da borracha, tais como força de tensão, elasticidade, durabilidade e sensibilidade tátil. Formas de porcelana ligadas em cadeias contínuas são então imersas em mistura lubrificante de amido de milho e em nitrato de cálcio, que coagula o látex. Depois de aderidos às formas, os mesmos são secados em forno. Seqüencialmente, as formas são imersas na solução de látex natural ficando depositado um filme uniforme desta solução. O coagulante aplicado anteriormente e o calor convertem o látex natural de líquido para sólido. Após, escovas giratórias em contato com as formas enrolam o punho para formar a bainha. As formas passam, então por banho em água morna para remover as proteínas hidrossolúveis e o excesso de aditivos químicos. Novamente as formas entram em um forno a 100°C para completar a coagulação (vulcanização), juntamente com aceleradores à base de enxofre (HAMANN & KICK, 1993; YUNGINGER, 1998; MEADE, WEISSMAN, BEEZHOLD, 2002). Finalmente é aplicado pó de amido de milho na parte externa das luvas que posteriormente são removidas das formas. Outra alternativa para a lubrificação das luvas é substituir o pó de amido pelo processo de clorinação, tornando-as menos alergênicas.
O desenvolvimento dos sintomas da hipersensibilidade do tipo I ao látex envolve uma série de interações entre linfócitos T ativados, que podem atuar modulando a resposta imune por mecanismo de citotoxicidade ou por linfócitos B, que são responsáveis pela resposta humoral com produção de anticorpos.
As IgE produzidas pelas células B têm papel fundamental nas reações alérgicas e fazem parte da fisiopatologia da alergia do tipo I ao látex, além de outras doenças alérgicas. Estas reações são iniciadas quando a IgE específica a um determinado antígeno liga-se aos receptores de alta afinidade localizados na superfície dos mastócitos e basófilos que, posteriormente ligadas ao alérgeno, causam a ativação celular com a liberação de mediadores inflamatórios (SILVA, et al., 2000; ARSHAD & HOLGATE, 2001).
As três manifestações clínicas conhecidas e discutidas na literatura relacionadas ao uso de luvas de látex de borracha natural no trabalho são: dermatite irritante de contato, dermatite alérgica de contato e hipersensibilidade do tipo I.
A dermatite de contato é conseqüência da resposta inflamatória a um ou mais agentes externos que podem agir como irritantes da pele quando mecanismos imunológicos não estão envolvidos ou como alérgenos, quando a hipersensibilidade é mediada por células T (GAWKRODGER, 2001).
A dermatite irritante de contato é a dermatose ocupacional não imunológica mais comum associada ao uso de luvas (SUSSMAN & BEEZHOLD, 1995; CRESPO, 1997) e ocorre quando substâncias exógenas causam danos diretos à pele (WOODS et al., 1997). As causas principais que levam os usuários a desenvolverem este tipo de desconforto estão relacionadas à lavagem freqüente das mãos, uso de sabões anti-sépticos, secagem incompleta das mãos e ao pó presente nas luvas. Os sintomas mais freqüentes são pele seca e avermelhada, fissuras, descamação e coceira (CRESPO, 1997; YUNGINGER, 1998; CARROL, 1999; NIOSH ALERT, 1997), repercutindo na integridade de barreira da pele.
Por outro lado, a resposta imunológica predominante provocada pelo uso de luvas de látex é a dermatite alérgica de contato ou hipersensibilidade do tipo IV. Trata-se de uma manifestação de hipersensibilidade tardia resultante da resposta imune mediada por linfócito T a um alérgeno, que são as substâncias químicas adicionadas ao látex durante a sua manufatura, principalmente aceleradores e antioxidantes (WILKINSON & BURD, 1998; CARROL, 1999). Contudo, estas duas ocorrências dermatite irritante e alérgica de contato podem ser confundidas, pois os sinais clínicos são muito semelhantes (NIOSH ALERT, 1997; WOODS et al., 1997; CARROL, 1999).
A hipersensibilidade do tipo I às proteínas do látex, apesar de não ser a mais freqüente, é a reação mais grave provocada pelo látex, sendo que o desenvolvimento de reação sistêmica mediada por IgE antilátex nos indivíduos previamente sensibilizados variam desde urticária leve até anafilaxia sistêmica (SIMMS, 1995; STEELMAN, 1995; VANDENPLAS et al., 1995; LISS et al., 1997; SMEDLEY et al., 1999).
Fonte: http://www.riscobiologico.org/pagina_basica.asp?id_pagina=31